AFIA abre debate sobre futuro do setor automóvel

A 12.ª Automotive Industry Week, promovida pela AFIA em Vila Nova de Gaia, terminou com um apelo à competitividade, estabilidade regulatória e investimento em inovação, num momento em que o setor automóvel europeu procura redefinir o seu papel na transição tecnológica e energética
A abrir a sessão, José Couto, presidente da AFIA reafirmou que a “Europa enfrenta uma transição turbulenta e um “elefante na sala”: a competitividade. A perda de terreno tecnológico e de qualificação, somada à pressão de concorrentes com custos mais baixos (nomeadamente a China) e uma regulação europeia pouco eficaz, está a penalizar a indústria. Portugal deve apoiar os fornecedores que investem, reindustrializar, reforçar exportações e explorar oportunidades em áreas como defesa e mobilidade”.
Atento às necessidades do setor, João Rui Ferreira, Secretário de Estado da Economia destacou que a prioridade do Governo é criar valor, especialmente em três áreas chave: inovação, investimento e internacionalização. “Portugal tem condições muito positivas para ser um player relevante no mercado, designadamente na formação de talento e na disponibilização de um mix energético que contribui para a performance de todos os setores. Isto quer dizer que temos capacidade de mobilizar a atividade industrial”.
João Rui Ferreira referiu ainda que o Governo está empenhado na revisão de processos da ligação entre empresas e Estado, registando “quatro agendas mobilizadoras com mais de 100 parceiros, num total de 244 milhões de euros de investimento, a somar aos 150 milhões de apoio à indústria, resultado da revisão do PRR”. O Secretário de Estado, destacou também o programa STEP (Plataforma de Tecnologias Estratégicas para a Europa), que conta com 1,2 mil milhões de euros para projetos que integrem todo o ciclo de inovação.
Para Walt Madeira, da S&P Global Mobility, num cenário de incerteza global, a “Europa tem que ajustar o seu caminho para a eletrificação, porque o objetivo da UE para 2035 é inatingível. (…) A Europa precisa acordar. E o mercado não está preparado para a velocidade a que a União Europeia quer promover a plena eletrificação”.
Jorge Castro, Vice-Presidente da AFIA traçou um retrato do setor. Integrando 360 empresas que representam 0,8% da indústria transformadora, geram 5% do PIB, com vendas globais de 14,4 mil milhões de euros e mais de 63 mil empregos. Em termos de dimensão, cerca de 20% são grandes empresas e o restante tecido é maioritariamente composto por PME; nas grandes empresas o investimento é sobretudo estrangeiro, enquanto nas PME é predominantemente nacional. Geograficamente, Norte e Centro concentram a maioria das empresas. Em termos de emprego observa-se alguma estabilização, com variações explicadas pela conjuntura económica internacional.
O Vice-Presidente da AFIA referiu ainda que entre 2019 e 2024, o custo médio por trabalhador por empresa aumentou cerca de 27%, enquanto a produtividade subiu 5%. No mesmo período, as vendas do setor cresceram em média 3,8% e as exportações 4,5%, representando estas cerca de 94% das vendas: 88% têm como destino a Europa, 6,1% a América, 3,8% África e Médio Oriente e 1,8% a Ásia. Um dado que evidencia a importância do setor: 98% dos veículos produzidos na Europa incorporam componentes fabricados em Portugal. Trata-se, portanto, de uma indústria crucial para o país, que exige apoio efetivo do Governo — nomeadamente às PME — e a preservação de condições que mantenham Portugal atrativo para o investimento das grandes multinacionais.
O Presidente da CLEPA, Matthias Zink, confirmou que “a eletrificação está aí, talvez com objetivos muito ambiciosos, e é fundamental discutir a mudança das regulamentações”, podendo gerar cortes de investimento e emprego. “Enquanto os EUA promovem e a China planeia, a Europa regulamenta, perdendo tração competitiva. Com 1,7 M de empregos e 65 mil M€/ano no setor de componentes, a prioridade é corrigir o rumo em Bruxelas nos próximos dois anos: fechar o gap de inovação, adotar uma descarbonização exequível e reforçar a autonomia estratégica”, acrescentou.
No final das intervenções da manhã, Madalena Oliveira Silva, Presidente da AICEP, confirmou que “estamos a atravessar um momento difícil e complexo, por todas as questões geoestratégicas associadas, mas o setor automóvel é uma das cadeias de valor mais relevantes para Portugal e tem uma expressiva relevância nas exportações”. O automóvel é pilar exportador de Portugal, suportado por um ecossistema de inovação e talento reconhecidos mas, persistem contradições regulatórias: ambição verde sem instrumentos suficientes para absorver custos. É essencial mais I&D e simplificação no acesso a fundos, bem como instrumentos de apoio comparáveis aos dos concorrentes.
Para terminar os trabalhos da manhã, foi assinado um protocolo de cooperação entre a AFIA (Portugal) e SERNAUTO (Espanha) que vem consolidar a Península Ibérica como ecossistema integrado de componentes, potenciando escala, complementaridades e captação de investimento. O objetivo é fortalecer a cadeia de valor ibérica e o seu posicionamento na indústria automóvel europeia.
António Costa e Silva, ex-ministro da Economia, iniciou os trabalhos da tarde alertando para o declínio do comércio mundial e para a disputa EUA-China, onde uma escalada sem retorno seria muito grave. Criticou a obsessão regulatória europeia e defendeu inovação sobre burocracia. “A pior coisa que se pode fazer à indústria automóvel é a imposição de acabar com os motores de combustão interna em 2035. Não podemos atuar na diminuição das emissões proibindo tecnologias. Deve ser um processo de ajustamento gradual, até chegarmos ao objetivo pretendido”.
A penúltima intervenção do dia e, antes das conclusões finais, Miguel Lopes Cardoso, da Sodecia, enquadrou a transição como mudança estrutural de identidade e propósito, alertando para a diversificação, inovação, re-skilling e internacionalização. “Não é de hoje que vivemos tempos conturbados e na turbulência aparecem oportunidades. A transição é perceber que estamos a falar no futuro das empresas e do emprego. Temos que nos assumir como fornecedores estratégicos. Não tenho dúvidas de que todas as empresas portuguesas são capazes de o fazer”, sublinhou.
No final do dia, e em forma de conclusão, José Couto afirma o planeamento estratégico como cada vez mais importante nas empresas, mas refere que estes dias serviram também para “perceber melhor o que é a indústria da defesa e a janela de oportunidade que ela pode representar. Percebemos que a Europa tem um plano nesta área para os próximos dez anos e a indústria automóvel tem capacidade de reagir e acompanhar”.
Além disso, também neste setor a Inteligência Artificial é um tema incontornável e deve ser tida em consideração no processo de investimento dentro das empresas. De acordo com José Couto, “a Europa vive numa camisa de forças, é verdade. Não ajuda haver qualquer coisa como 11 mil regulamentações para a indústria automóvel. Daí que a meta de 2035 seja inatingível, o que obriga a outros raciocínios, como a aposta de baixar as emissões carbónicas a partir dos motores tradicionais. É preciso trabalhar bastante para ultrapassar estas barreiras burocráticas. Desta forma, perdemos competitividade e não podemos deixar de olhar para esta questão”.
Com a realização da 12a Automotive Industry Week, “achámos que era importante dar inputs para se continuar a fazer aquilo que se faz de melhor: crescer mesmo quando os clientes na Europa baixam e entrar em novos projetos. A AFIA quis mostrar que existe um caminho… e acho que conseguiu”, rematou.










