“Aprendemos todos uns com os outros e é assim que evoluímos!”, DPAI

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Joaquim Candeias, diretor-executivo da Ferdinand Bilstein Portugal e presidente da Divisão de Pós-Venda Automóvel Independente (DPAI) da ACAP (Associação Automóvel de Portugal), é uma das vozes mais respeitadas do aftermarket nacional. Nesta entrevista, para a edição Especial do 20º Aniversário do JO, abordamos os principais desafios do aftermarket nacional — margens, digitalização, competitividade e cadeia de valor — e como a empresa está a posicionar-se para responder às mudanças que se aproximam

À frente de uma das maiores operações de peças e logística do país, com um cargo de destaque na DPAI, e também na direção da FIGIEFA (Federação Europeia do Aftermarket), Joaquim Candeias é uma referência no setor do pós-venda automóvel em Portugal. Impossibilitado de estar presente na Mesa Redonda que assinalou os 20 anos do Jornal das Oficinas, devido a compromissos previamente assumidos, mostra-nos aqui a sua perspetiva sobre os altos e baixos do aftermarket independente ao longo das últimas décadas.

“A ACAP acompanha a nossa Divisão”
Já lá vão os tempos em que a DPAI “não tinha um grande peso e não era muito considerada”, diz-nos Joaquim Candeias, que nota que hoje, “a DPAI tem vindo a enaltecer o próprio setor com atividades de várias comissões executivas onde envolve muitos empresários. Começamos a trabalhar em estatísticas de mercado, posicionamentos, tendências, mas isso leva algum tempo porque é muita gente e cada um pensa de sua maneira. Por isso a DPAI anda a uma velocidade um bocadinho mais lenta do que o próprio negócio em si, mas ACAP tem vindo a funcionar bem e a acompanhar cada vez mais a nossa Divisão”. A nível europeu, a DPAI tem um papel ativo através da FIGIEFA e, segundo Joaquim Candeias, “é a única associação que defende o nosso setor adequadamente em temas como MVBER, que nos traz a oportunidade de negócio dentro da legislação europeia, para que o setor de pós-venda na totalidade possa subsistir e continuar a concorrer no mercado com condições idênticas”.

Por outro lado, o fórum DPAI/ACAP tem reunido cada vez mais participantes e é visto como “um momento importante, pois vamos procurando ter dados ou temas atuais relacionados com o setor. Mas, no fundo, as pessoas têm de entender que já não vendemos peças há muito tempo, vendemos soluções. É evidente que dentro da solução estão as peças, é daí que tiramos a rentabilidade, mas procuramos ter uma solução abrangente, que seja a solução que o mercado está à espera. Portanto, o fórum vai nesse sentido também”, explica.

Noção do mercado
O observatório de pós-venda e os estudos divulgados pela DPAI são, nos dias que correm, incontornáveis no aftermarket nacional, e possibilitam às empresas tomar decisões mais informadas e estratégicas. “Para sermos organizados temos de ter bases de informação e é bom que as empresas do nosso setor pensem cada vez mais numa perspetiva de médio e longo prazo e não o dia-a-dia. E é preciso começarmos a ter uma visão mais macro e ter capacidade de tomar decisões bastante mais acertadas, porque se tivermos as bases, isso ajuda bastante”, refere, salientando que hoje “se a empresa não tiver eficiência, posso ter o melhor stock do mundo, que ele não serve de nada ao mercado, portanto eu tenho que ter as soluções, e essas soluções conseguem-se quando nós começamos a ter uma noção mais abrangente do mercado, pois eu posso ser muito bom empresário, ter muito sucesso, mas se só vejo até à porta da rua da minha empresa, não estou a trabalhar para o mercado, que é quem decide tudo”. No entender de Joaquim Candeias, a ACAP não pode desenvolver estudos com tendências de mercado, porque isso é completamente erróneo. É uma associação que está dentro do setor a dar indicadores de tendências e que está a influenciar o mercado. Portanto, são os estudos imparciais que nos trazem informação importante”.

Para o presidente da DPAI, a economia paralela que existe no setor “é uma guerra”, que a ACAP quer combater “numa perspetiva construtiva, trazendo as pessoas para o lado bom, pois há entidades que apenas querem penalizar, multar, ou fechar portas, e essa não é a nossa intenção. A ACAP quer, cada vez mais, que o pós-venda seja um setor saudável e que toda a gente tenha oportunidade de ganhar dinheiro”. A título de exemplo, Joaquim Candeias defende que no setor do aftermarket deveria ser obrigatório passar fatura com contribuinte abaixo do valor estabelecido de mil euros, “atendendo a que vendemos peças, muitas delas com responsabilidade civil ou social, pois são peças de segurança, e quem vendesse deveria identificar quem comprava”, opina.

Os últimos 20 anos
Questionado sobre o que mudou no aftermarket independente nas duas últimas décadas, Candeias resume: “Há 20 anos vendíamos peças piratas. Depois passámos para as peças de qualidade equivalente e, com isso, começámos a ter de juntar valor à volta da peça, capacidade de entrega, marketing, apoio técnico… uma quantidade de situações que faziam parte da própria peça. E hoje vendemos soluções: a quantidade de oferta que temos e o know-how que envolve a peça. As coisas vão-se alterando e reajustando, o que é demonstrativo de evolução e de crescimento”. Hoje, Portugal já não está “na cauda da Europa”, afirma o responsável, que sente que “somos extremamente profissionais e temos uma capacidade fora do comum. Só que temos uma palavra que não tem tradução, que é o «desenrasca», que só existe em português e que se desaparecesse do dicionário, todos ganhávamos e muito, porque passávamos a ser bastante mais organizados. Temos um posicionamento de eleição e quanto mais conheço os mercados, mais gosto de ser português”, assume.

O caminho da concentração e consolidação de distribuidores, na opinião de Joaquim Candeias, “traz outra qualidade de desenvolvimentos e de perspetivas de negócio. São empresas com maior corpo, maior capacidade de investimento e maior visão, mais organizadas, com melhores estratégias, portanto, isso acaba por ser bom para o próprio setor”, perceciona, continuando: “É evidente que o lado menos bom são alguns players que não conseguem acompanhar e são absorvidos. No entanto, o mercado só tem a ganhar com isso, é o caminho certo para que o nosso setor possa evoluir. Os grupos grandes necessitam de ter rentabilidade para fazer investimento, porque vivemos a uma velocidade assustadora e com esta era digital, de inteligência artificial, quem não investe perde o comboio rapidamente”, antevê.

De tudo o que tem vindo a mudar, há algo que continua a fazer a diferença nos negócios do setor, para o diretor-executivo da Ferdinand Bilstein Portugal, que são os “índices elevados de confiança do cliente, para termos sucesso no negócio, pelo que acho que o relacionamento pessoal irá prevalecer”.

Novas tecnologias
A digitalização e o crescimento do e-commerce no setor do aftermarket estão a transformar as relações entre as oficinas, distribuidores e clientes, mas Joaquim Candeias acredita que devido “à parte técnica, está associada uma montagem ou algum conhecimento técnico, o que obriga a existir uma cadeia própria. É evidente que nós próprios, no bilstein group, estamos cada vez mais virados para o consumidor final e queremos divulgar cada vez mais as nossas marcas junto dele, porque é ele que tem o poder de decisão, coisa que não acontecia há uns anos atrás” lembra, afirmando que “isso vai evoluir e nós olhamos para os números dessas grandes plataformas de e-commerce, considerando que nunca será tão abrangente como noutras indústrias que não têm este handicap. A nível de garantias, é preciso dar a cara e garantir que se apoia o mercado ou o consumidor final nesse sentido”, recorda.

Para Joaquim Candeias, a eletrificação do parque automóvel é uma oportunidade para o mercado das peças, e o mesmo refere que “já temos umas nove mil referências para elétricos, estamos a trabalhar nesse sentido. É um negócio diferente, e é a continuidade própria do nosso negócio, mas vai-nos obrigar a repensar alguma parte do mesmo. Agora, eu não o vejo como uma ameaça, estou sempre aberto aos desafios, portanto, acho que será uma oportunidade. E quanto mais difícil for o mercado, mais oportunidades se criam. É evidente que há mais gente a ficar pelo caminho, mas também há aqueles que poderão ter bastante mais oportunidades de evoluir”, afirma.

No que à evolução diz respeito, o nosso entrevistado considera ainda que o nível técnico das oficinas independentes tem vindo a aumentar, “já vemos algumas com uma qualidade que nos orgulha e que não existia há uns bons anos, ainda que não seja a grande maioria, porque há muita gente que tem dificuldade em viver a mudança e tem resistência. Mas há outros que, felizmente, já estão a evoluir, e, garantidamente, terão um futuro risonho, fruto dessa apetência, capacidade e mente aberta, para aquilo que está aí a surgir”. A «fórmula mágica» para atrair novas gerações para o aftermarket, Joaquim Candeias lamenta ainda não ter, mas entende que “temos de dar prestígio ao nosso setor, porque ainda temos a mentalidade de querermos contratar barato e, como se costuma dizer «se pagamos peanuts [amendoins], temos monkeys [macacos]», e isso tem de se alterar. Hoje, a mão de obra que existe no setor independente tem um valor baixo. Na minha opinião, o reparador deveria ter menos margem nas peças, mas ganhar bastante mais na mão de obra, e valorizar a sua profissão. É ao valorizar a profissão que tem a possibilidade de evolução e de carreira”.

O “Próximo Aftermarket”
Na opinião do presidente da DPAI, a utilização de peças usadas “é um tema quente”, e alerta para o perigo que pode ser o facto de não passarem num controlo de qualidade: “eu concordo plenamente que se reutilize, que se minimizem os prejuízos para o planeta, mas temos de garantir que estamos dentro de parâmetros que façam sentido e que não existam aqui diferenças que não são justas face aos fabricantes”, esclarece.

Por outro lado, sobre a entrada de grandes players internacionais, nomeadamente os chineses, no mercado europeu, considera que “irá surgir essa pressão ou a entrada no mercado, mas temos de olhar para isso como uma oportunidade de desenvolvermos o nosso negócio a nível europeu, resguardando alguns fabricantes, de modo a que minimize também esse impacto”. Já no que toca à entrada mais forte dos fabricantes no IAM, Candeias entende que “vem valorizar o setor, pois entram no pós-venda e na reparação multimarca com parâmetros e com princípios bastante mais evoluídos, portanto, isso será um estímulo para quem está no aftermarket poder evoluir, crescer e dar continuidade ao seu negócio, porque aquelas pessoas que pensam «eu estou neste negócio há 30 anos, sempre fiz assim», vão garantidamente morrer, dado que o negócio de amanhã é diferente do que é hoje e foi diferente do que era ontem”, assume.

Convidado a definir em poucas palavras como será o “Próximo Aftermarket” em Portugal, Candeias não demora em designá-lo como “bastante mais dinâmico, mais profissional, com uma visão mais alargada e com uma perspetiva fantástica de longo prazo”. Às empresas e profissionais do setor pós-venda, pede que “fujam da resistência à mudança e que estejam sempre de mente aberta. Que aprendam com toda a gente que está à volta, independentemente de acharem que têm mais ou menos qualificações, porque, na verdade, aprendemos todos uns com os outros e é assim que evoluímos. Portanto, evolução será o futuro para toda a gente que queira, de facto, ter sucesso”, finaliza.

Poderá também aceder a esta entrevista na edição impressa ou online do Jornal das Oficinas nº225, aqui.