Mobilidade sustentável: A transformação do automóvel!

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O setor automóvel atravessa uma fase de grandes mudanças, muito por conta da consciência cada vez mais ecológica que a sociedade tem vindo a desenvolver. O que implica esta transformação? Que estratégias devem as empresas implementar para integrar a sustentabilidade com sucesso no seu planeamento? O que é preciso ter em linha de conta nesta altura? Tentamos responder a estas e a outras questões neste artigo

Para fazer face às alterações climáticas, foram sendo tomadas decisões a nível global que afetam em muito a forma como nos movimentamos. A mobilidade sustentável é possível – e necessária – para cumprir os objetivos ambientais acordados. A transição maior será em 2035, o ano em que a produção e venda de motores de combustão terminará na União Europeia, mas os desafios serão muitos para todos os que integram o setor. Com o termómetro da terra a bater recordes a cada ano, a consciencialização ambiental tornou-se incontornável nas últimas décadas. Sabemos que é preciso combater as alterações climáticas e a forma de pensar e de atuar nas mais diversas áreas está já a mudar, mas ainda há muito para fazer.

Historicamente, a indústria automóvel não se tem concentrado em práticas sustentáveis. Os processos tradicionais de fabrico em linha de montagem – muitos ainda hoje utilizados – utilizam enormes quantidades de energia, metais, plásticos, toxinas e mão de obra, deixando uma enorme pegada de carbono. Para além disso, uma vez produzidos os veículos, a maioria requer combustíveis fósseis para funcionar, o que subsequentemente liberta emissões nocivas. Todo este processo tem um enorme impacto ambiental que nos trouxe ao ponto em que nos encontramos atualmente. É por isso que a mudança é absolutamente fundamental, com a alteração rumo a práticas mais sustentáveis na indústria a ter um impacto positivo muito significativo.

Hoje, o respeito pelo ambiente está presente em todos os processos industriais e o setor automóvel não poderia ser exceção. Os passos na regulamentação europeia estão dados e são rigorosos, marcando definitivamente um ponto de viragem na forma como nos deslocamos. Os desafios são tantos, que obrigaram o setor a alterar o seu roteiro para os próximos anos, exigindo que todas as novas propostas que surjam se baseiem desde logo na sustentabilidade. Há menos de uma década, os veículos elétricos (VE) eram vistos pela maioria como um produto paralelo não lucrativo cuja principal função seria ajudar os fabricantes a alcançar as apertadas metas das emissões. Hoje, os VE ultrapassam mais de 10% das vendas dos carros novos, já há países a banir a venda de motores a combustão interna e muitas das marcas esperam ser predominantemente elétricas até 2035. Então, o que forçou esta mudança de paradigma e o que significa isto para o futuro da indústria automóvel? E como podemos assegurar uma transição sustentável e equitativa?

Regulamentação apertada
Em setembro de 2015, 193 países de todo o mundo assinaram o Acordo de Paris, lançando as bases para um futuro sustentável. Um roteiro para erradicar a pobreza, proteger o planeta e garantir a prosperidade. No último fórum de Davos 2020, foi dado mais um passo com o manifesto do “objetivo universal das empresas na quarta revolução industrial”. Este documento reafirma o compromisso das empresas em cumprir os objetivos ambientais acordados, sendo que estes acordos implicam mudanças profundas num setor fundamental para o futuro da Europa e de Portugal.
Em paralelo, a União Europeia já confirmou que 2035 será o ano em que a produção e venda de automóveis com motores de combustão vai terminar. A lei também introduz objetivos mais exigentes no caminho para a venda de veículos com emissões zero, deixando alguma margem de manobra para os pequenos fabricantes e incluindo os combustíveis sintéticos nos planos. Além disso, até 2030, os fabricantes de automóveis terão também de reduzir as emissões de CO2 em 55% para os novos veículos de passageiros e em 50% para os comerciais. Uma decisão tomada no âmbito do pacote “Fit for 55” para alcançar a neutralidade carbónica até 2050. Uma medida que se junta à regulamentação Euro 7, cuja entrada em vigor está prevista já para o próximo ano.

Grandes desafios no setor
O paradigma da mobilidade sustentável veio para ficar. Para melhorar a qualidade de vida no planeta é preciso reduzir a nossa pegada de carbono e as emissões de gases com efeito de estufa, o que tem resultado em importantes avanços tecnológicos em todos os setores que visam atenuar os danos causados ao ambiente. Tanto os grandes, como os pequenos «players» desta indústria estão a sentir o aumento da pressão para repensar a forma como operam. Agora, os principais desafios no setor automóvel são:

• Renovação do parque automóvel – Portugal tem uma das frotas de veículos mais antigas da zona Euro, superior a 14 anos, com a idade média dos veículos que vão para abate a ser superior a 23 anos, de acordo com os dados da ACAP. É aqui que as ajudas estatais para a aquisição de veículos sustentáveis assumem um papel preponderante. É necessário reativar as vendas de veículos novos e desenvolver medidas complementares que reduzam também a idade média do parque automóvel, como promover a venda de veículos usados com garantia, com menos de 5 anos e com motores mais eficientes.

• Eliminação dos motores de combustão – A eliminação total dos motores a combustão a favor dos motores elétricos deve ser acompanhada de uma rede de carregamento viável e eficaz. E, neste sentido, a produção de energia verde é uma questão que deve ser considerada essencial para este novo paradigma. As energias renováveis serão essenciais para o objetivo de emissões neutras.
• Reutilização de componentes – A economia circular já permite que até 95% das peças dos automóveis sejam recuperadas e reutilizadas na indústria ou fora dela. A reciclagem e a reutilização de componentes serão fundamentais para a concretização dos ambiciosos planos ambientais europeus.

• Inovação e desenvolvimento de novas tecnologias – Ainda que o veículo elétrico seja um ator importante, continua a ser necessário desenvolver as condições ideais para a sua utilização. A rede de carregamento e a autonomia são os problemas fulcrais a ser solucionados nos próximos anos. O desenvolvimento de tecnologias que ainda não existem tornar-se-á indispensável. Está em causa a melhoria da eficiência dos motores de combustão interna e a sua adaptação aos combustíveis renováveis e de baixo carbono (hidrogénio, biocombustíveis e combustíveis sintéticos), a eletrificação (com bateria ou pilha de combustível) e diferentes graus de hibridização. No fundo, é essencial oferecer uma variedade de soluções adaptadas a cada necessidade. Em vez de regulamentar o fim do motor de combustão interna nos veículos que chegam ao mercado, é necessário eliminar progressivamente os combustíveis fósseis. A contribuição dos combustíveis renováveis e com baixo teor de carbono deve ser incentivada para reduzir as emissões não só dos novos veículos, mas também da frota existente.

Caminho conjunto
Este é um percurso a ser trilhado de forma conjunta entre países, governos, empresas e consumidores, para que o resultado seja satisfatório, legal e transparente. Todos têm de participar, para que a diferença na evolução da indústria seja mensurável. A curto prazo, espera-se um maior endurecimento da regulamentação global em matéria de emissões de gases de escape, o aumento das quotas de automóveis com emissões zero e um maior incentivo governamental – tudo isto motivado por preocupações relacionadas com as alterações climáticas, a poluição atmosférica e o caminho para uma economia mais sustentável. A médio prazo, a tecnologia irá melhorar ainda mais o custo e o desempenho dos automóveis elétricos, sendo esperado que à medida que a produção evolui para a tecnologia de baterias da próxima geração, como as de estado sólido, os custos venham a cair. Já a longo prazo, estas tendências criarão confiança e o mercado passará a ser 100% elétrico quando os VE forem vendidos a retalho ao mesmo preço que os de combustão, quando tiverem mais autonomia, tempos de carregamento de dez minutos e locais de carregamento abundantes.

Há três fatores principais que impulsionam a sustentabilidade na indústria automóvel: As intervenções governamentais, a mudança de expetativas e as grandes tendências. As diretivas governamentais como o Pacto Ecológico Europeu ou o já mencionado Acordo de Paris, estão a forçar as empresas do sector automóvel a procurar soluções mais sustentáveis para cumprir os rigorosos objetivos de neutralidade carbónica. Depois, também as expetativas dos clientes, investidores e até dos empregados estão a mudar, pressionando os fabricantes de automóveis a concentrarem-se em práticas sustentáveis e modelos de combustível alternativo, como os veículos elétricos. Por fim, várias megatendências na indústria automóvel são grandes impulsionadoras de mudanças inovadoras, como o caso da progressão de veículos e frotas autónomos, a utilização de dados de veículos conectados, programas de partilha de automóveis, iniciativas alternativas de transporte a pedido e, claro, a mudança de paradigma da indústria para os veículos elétricos. A utilização crescente de tecnologia avançada e a produção em expansão de veículos elétricos alteraram completamente a forma como os automóveis são tradicionalmente produzidos. A mudança para o fabrico de automóveis elétricos tornou alguns postos de trabalho redundantes e também tornou obsoleto o processo de produção tradicional em linha de montagem.

Tecnologicamente possível, economicamente viável
Então, como podemos criar um produto, uma base de fornecimento e uma perspetiva de fim de vida que siga os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas em matéria de alterações climáticas, cidades sustentáveis, produção responsável, empregos de qualidade e igualdade social, económica e ambiental? E como é que fazemos esta transição ao mesmo tempo que criamos valor económico? A tecnologia pode ser uma das chaves. A crença antiga dos CEO e analistas do setor automóvel era de que os veículos elétricos destruiriam os lucros dos fabricantes de automóveis tradicionais – que as baterias eram demasiado caras e que os consumidores não pagariam por um veículo premium. No entanto, a maré está a mudar, com comentários e análises recentes da indústria a mostrarem que os automóveis elétricos podem ser tão lucrativos como os seus antecessores a gasolina, se não mais. A inovação e a economia de escala estão a fazer baixar os custos das baterias em 30% sempre que a produção duplica. Uma vez que os veículos elétricos contêm metade das peças que os veículos a combustão, com dez vezes menos peças móveis, as fábricas podem tirar partido da menor complexidade para aumentar a eficiência e reduzir ainda mais os custos.

A sustentabilidade no sector automóvel é tecnologicamente possível, economicamente viável e socialmente necessária, trazendo vantagens como a conformidade regulamentar, a liderança de mercado, a melhoria da reputação e da imagem de marca a nível mundial, a inovação e vantagem competitiva, acesso a novos mercados e oportunidades de negócio, acesso a financiamento sustentável, redução dos custos operacionais, resiliência empresarial e a contribuição para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Basicamente, é necessário satisfazer as necessidades atuais, mas sem comprometer as das gerações futuras, desenvolvendo automóveis cada vez mais eficientes, conectados, autónomos, seguros e sustentáveis. O grande repto é atingir as metas de redução de emissões definidas pela Europa, e ao mesmo tempo garantir a competitividade do setor e o seu impacto económico e no emprego, no seu compromisso com a sustentabilidade.

Ao cumprir os regulamentos que já foram estabelecidos, as empresas do setor automóvel enfrentam vários constrangimentos, como a integração da sustentabilidade na estratégia empresarial, que deve ser vista como uma componente essencial da estratégia empresarial para o sucesso a longo prazo, ou o financiamento, pois as empresas do setor têm de investir em tecnologias mais limpas e mais sustentáveis, o que, em muitos casos, constitui um desafio financeiro. Não menos importante é a transparência nas suas ações e a responsabilidade pelos seus progressos.

Fim de vida das baterias

Leia o artigo completo na edição impressa do Jornal das Oficinas de outubro/novembro, aqui.